Jornal Nova Geração

IMIGRAÇÃO

Duzentos anos de preservação e resgate da língua alemã

Às vésperas de comemorar o bicentenário da imigração germânica no Brasil, projeto para recuperar o idioma em Estrela atrai alunos de diversas idades. Período de proibição é apontado como causa de “aportuguesamento”

Ivete cresceu em convivência com o idioma e agora ministra aulas de alemão (Foto: Karine Pinheiro)

Ao circular pelas ruas de Estrela é possível perceber que perpetua o uso da língua alemã. A um ano da comemoração do bicentenário da imigramação, a prática é resultado dos anos da colonização germânica. Em 1824, cerca de 260 mil alemães migraram para o Brasil e por quase dois séculos sobreviveram utilizando apenas o idioma originário.

As mudanças e exigências ao longo de quase 200 anos provocaram o “aportuguesamento” da língua. Como consequência, a formação de palavras formadas com partes em português e partes em alemão. Criada nas proximidades de Linha Santa Rita, Maria Teresinha Lehnen conta com detalhes a vivência neste processo. Quando pequena, o idioma falado dentro da residência era o germânico.

“Eu aprendi português quando fui para a escola. Na época era proibido falar alemão. Tínhamos medo de falar na rua, mas em casa era tudo normal”, relata Maria Teresinha. Sobre a proibição, ela se refere ao período da Segunda Guerra Mundial, na década de 1940. “Na escola tinha esforço para aprender o português”.

O historiador e funcionário do Memorial de Estrela, Everton Gregory, explica que junto à guerra, também havia uma campanha de nacionalização, em que o português também era exaltado. “Vivências como a de Maria Teresinha aconteceu na maioria do interior de Estrela. Existia um inspetor no município que vigiava as comunidades para saber quem utilizava os dialetos”, relata.

O “aportuguesamento” das palavras surgiu neste período, afirma o historiador. Segundo ele, o núcleo alemão em Estrela viveu por muitos com conhecimento de pouquíssimas palavras em português. Portanto, devido à repressão, misturar as palavras no esforço de se comunicar foi uma necessidade, principalmente nas localidades do interior.

“É natural que algumas palavras tenham se perdido neste processo. A prova é que temos movimentos que expressam o resgate, como o Festival do Chucrute, que estimula o uso do idioma, das danças, da gastronomia e cultura em geral. E também é comum encontrar famílias que se comuniquem dessa forma ou que fale alemão pelas ruas”, exemplifica.

A passagem do idioma alemão de geração em geração, apesar de perdurar, acontece cada vez menos. Maria Teresinha relata que conversava muito com a mãe. “Por último eu conseguia mais entender ela do que falar, mas ela costumava falar ‘so weit, ist es gut”, dizendo que estava tudo bem”.
Ela conta que, atualmente, dois dos três filhos falam poucas coisas em alemão. “Passei o que sabia para eles, mas não falava muito em casa. Dos netos, um sabe umas palavras”, afirma Maria Teresinha.

Ensinar e resgatar

Professora de língua alemã do Colégio Martin Luther (CML), Ivete Hammes participa de um projeto desenvolvido pela escola em parceria com o governo de Estrela. A aula do idioma reuniu uma turma dividida em aprender a língua e resgatar os antigos aprendizados.

A turma é composta por alunos de diversas idades. Ainda que alguns já dominem algum dialeto, a gramática apresentada é a utilizada na Alemanha. Conjugação de verbos, numerais, pessoas do singular e do plural, até músicas fazem parte do aprendizado. Alguns relatam o desejo de entender o que os pais falam em casa, outros buscam aperfeiçoar, ou uma maneira de passar o idioma para a geração seguinte.

Na opinião de Ivete, é comum que os jovens estejam em busca de aprender o alemão, como forma de se conectar com as raízes. “Quando mais novos, é normal não querer falar com os pais em alemão dentro de casa. Depois eles perguntam o porquê não foram ensinados. É natural. Mas chega o momento em que buscam a identidade, querem saber de onde a família veio”, afirma.

A professora cresceu em convivência com o idioma. “Assim como outras pessoas, aprendi português na escola. Meus pais tinham um tempo específico para praticar o alemão em família, como leitura de um livro ou contar uma piada. Na escola, aprendi rápido, mas quando a professora pedia para eu desenhar uma ema, animal, eu desenhava um “eimer”, que é balde”, relata.

Até a década de 1940, relembra Ivete, as comunidades eram muitos reclusas, portanto viveram bem somente com os dialetos por muitas décadas. Não havia meios de comunicação e o sinal de rádio era fraco. Após a proibição do idioma devido à guerra, chegaram as televisões e o cenário mudou, pois o português começou a ser escutado dentro das casas.

Atualmente, existem cerca de 250 dialetos variados da língua alemã. A linguagem utilizada na microrregião de Estrela é o Hunsrik, originária do sudoeste da Alemanha, na região de Hunsrück. Como forma de reforçar o ensinamento da língua, o CML surgiu há 120 anos. As aulas eram ministradas por pastores.

Era prioridade para os descendentes da Alemanha que todos soubessem ler e escrever. O resultado da qualidade da escola que é referência do trabalho em comunidade, avalia a professora, que também afirma ser uma característica forte dos povos germânicos.

Sobre a imigração alemã

Os primeiros imigrantes alemães chegaram ao Brasil em julho de 2024. Com o solo explorado na Europa, além dos problemas sociais e econômicos, chegaram com sob a perspectiva da “terra prometida”. Além disso, a primeira esposa do Imperador Dom Pedro I, Maria Leopoldina, de origem Austríaca, necessitava de pessoas com quem pudesse se comunicar.

Com o objetivo de ocupar as terras do sul, as primeiras famílias chegaram pelo porto de São Leopoldo. Os imigrantes receberam terras de 80 hectares para cultivo. A partir deste momento, foram se criando as “picadas”, divisa de cada localidade.

“Eles chegavam em grupos, construíam igrejas e escolas. Quem sabia mais, ensinava os outros”, explica Ivete que destaca ser um cenário ainda existente nos interiores. Desta forma, se fortaleceu o ensino e a agricultura. Na época, o povoado Santo Antônio de Estrella recebeu as famílias em três distritos: Arroio do Ouro, Picada Bôa União e Picada Grande (Novo Paraíso).

Primeiras famílias em Estrela:

Arroio do Ouro: Mallmann, Krist, Knecht, Schossler, Scheibel-Gregory, Wendt, Horn
Picada Bôa União: Massing, Ekart, Herbele, Gerhardt, Petter, Sulzbach, Hauschild
Picada Grande (Novo Paraíso): Diedrich, Caye, Ohweiler, Becker, Keller, Eidelwein, Haydt, Lohmann, Noll e Diehl

Dialetos registrados na região:

Hunsrik – Originário do sudoeste da Alemanha, na região de Hunsrück, utilizado na microrregião de Estrela
Plattdeutsch – Originário do norte da Alemanha, utilizado na microrregião de Teutônia
Schwäbisch – Originária do sudeste de Baden-Württemberg e partes da Baviera
Pommersch – Originário da Pomerânia

Compartilhar conteúdo

PUBLICIDADE

Sugestão de pauta

Tem alguma informação que pode virar notícia no Jornal Nova Geração? Envie pra gente.

Leia mais: